Notícias Geriatra fala sobre idosos com deficiência na pandemia

Especialista dá dicas para o enfrentamento da situação e comportamentos saudáveis durante a quarentena

 

A pandemia causada pelo COVID-19 mudou a rotina de todos, sobretudo das pessoas no grupo de risco da doença. A deficiência intelectual não é um fator de categorização desse grupo, mas traz condições específicas e que merecem muita atenção no dia a dia, sobretudo no caso de idosos. Para explicar melhor como essa parcela da população pode compreender e lidar com a pandemia, o geriatria Marcelo Altona deu uma entrevista exclusiva sobre o tema. Confira!

Marcelo Altona é Clínico Geral e Geriatra do Hospital Israelita Albert Einstein e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Também é o médico responsável pela iniciativa de envelhecimento do Projeto Serendipidade.

 

1) Durante a pandemia, idosos com deficiência intelectual estão em maior exposição do que os demais? Eles devem seguir quais precauções?

Em parte, sim. Eles estão em maior exposição principalmente se partirmos do pressuposto de que a compreensão deles sobre as medidas de higiene e métodos de contaminação possam vir a estar prejudicas pela deficiência. Quando todos estão isolados devidamente, esse risco diminui.

Porém, é importante destacar que isso não quer dizer que eles têm mais riscos de padecer da doença ou de ter quadros mais graves da doença. Apenas queremos dizer que, pelos impactos da deficiência, algumas pessoas podem ficar mais expostos por ter, por exemplo, uma dificuldade maior de conseguir evitar coçar olhos e boca, compartilhar objetos, toalhas e roupas. Daí a importância de cuidadores estarem sempre bem orientados e prestar o auxílio necessário para que essa exposição não seja aumentada.

As precauções são as mesmas para todas as pessoas. A higienização das mãos, que pode ser feita com água e sabão ou álcool em gel, o maior número de vezes possível. É importante, porém, ter um cuidado especial com o álcool em gel, principalmente em pessoas que levam muito a mão na boca, para não corremos riscos de agressão ao organismo pela ingestão acidental do álcool em gel.

 

2) Qual o procedimento que idosos com deficiência devem seguir para idas ao médico? Eles devem evitar ou manter as consultas padrão?

Essa é uma situação muito curiosa e que merece uma atenção especial. Nesse momento de pandemia, após quase 3 meses do início do isolamento, começamos a ter receio com relação ao impacto da não ida ao médico e às consultas tradicionais pode ter. O acompanhamento contínuo é importante sobretudo para quem tem doenças crônicas, que costumam acometer muito as pessoas com deficiência e idosas.

Os médicos já estão se preparando e se readequando para atendimentos ambulatoriais seguros, como agendas espaçadas e espaços seguros. Precisamos pensar sobretudo em quem tem doenças crônicas mais descompensadas e que merecem mais atenção – diabetes, problemas cardiovasculares, tratamentos de câncer. Esses pacientes não devem deixar de consultar seus médicos e checar individualmente a necessidade das consultas presenciais ou de acompanhamento a distância por meio da telemedicina.

 

3) Quais as dicas para a rotina deles em casa?

Com a pandemia, a rotina foi muito impactada, sobretudo no que se refere às terapias. A princípio, só orientávamos que fossem feitas terapias muito necessárias para evitar riscos para o idoso com deficiência intelectual. Entretanto, devido à passagem do tempo e ao afastamento das terapias, já começamos a entender que podemos considerar cada situação individualmente, analisando caso a caso e ponderando o grau de segurança que conseguimos oferecer a cada pessoa. Para isso, é fundamental ir conversando com os profissionais de terapia e com os pacientes para entender suas necessidades e possibilidades.

Infelizmente, o isolamento está fazendo com que essas pessoas estejam perdendo função motora, massa muscular, diminuam suas atividades relacionadas à deglutição, como acompanhamentos com fonoaudiólogos, reduzam sessões de fisioterapia para pessoas com problemas pulmonares ou mesmo exercícios físicos para prevenção de quedas. Essa retomada é um desafio, mas temos que considerar o retorno de quem já fazia essas terapias, sempre com o foco na minimização dos riscos.

Por outro lado, temos que usar a imaginação nesse momento e precisamos ser criativos. Temos muitos programas de computador para estímulos cognitivos, atividades guiadas em televisão e internet. Cabe ao cuidador ter imaginação para oferecer algumas dessas alternativas para que o isolamento não agrave nenhuma condição prévia e que o bem estar esteja garantido. Uma dica de exercício simples para ser feito em casa é ir a um local com mais espaço, como um corredor ou quintal, e fazer um exercício aeróbico, mesmo que pequeno e mais simples que os de costume. Nesses casos, qualquer exercício pequeno tende a trazer benefícios para o organismo.

Sobre a alimentação, é preciso ter bom senso. Estando mais em casa é normal que a alimentação mude e que aumentemos a quantidade de ingestão. Contudo, isso pode prejudicar o controle da obesidade e o controle de doenças metabólicas como diabetes e até pressão. O grande segredo está em não oferecer tanto esse tipo de alimentação aos idosos ou mesmo não ter disponível em casa alimentos não saudáveis.

 

4) Muitos idosos com deficiência intelectual têm dificuldade de se expressar. Como cuidadores e familiares podem identificar possíveis sintomas?

Ainda temos muitas informações controversas em relação à doença, mas o que estamos percebendo é que idosos, especialmente aqueles com algum grau de comprometimento cognitivo, acabam tendo manifestações clínicas mais sutis e até atípicas. O mais importante é, na verdade, verificar sintomas de gravidade: febre persistente, sintomas respiratórios (falta de ar, dificuldade de respirar e até mesmo quadros identificados com o oxímetro, que é o aparelho usado para medir a saturação no sangue), sonolência excessiva, mudanças alimentares, baixa ingestão alimentar e de líquidos, confusão mental. Esses sintomas devem ser observados e levados a acompanhamento se necessário.

Contudo, sintomas leves, que são facilmente contornáveis com medicamentos e mantém o estado geral do idoso, podem ser discutidos com um médico de monitoramento ou mesmo apresentados remotamente. Um teleatendimento pode ser suficiente para receber a orientação necessária e lidar com os quadros observados.

É importante lembrar que muitos pacientes idosos, com ou sem deficiência intelectual, podem ter casos leves da doença, e não necessariamente padecer deles. O importante é não entrar em desespero e não aumentar a exposição e consequentemente, os riscos.

 

5) De modo geral, qual sua dica para idosos com deficiência em tempos de COVID-19?

A grande dica não seria só para os idosos com deficiência intelectual, mas para todos. E época de se reinventar e aproveitar o que habitualmente não estamos acostumados aproveitar

As pessoas com deficiência intelectual, seus cuidadores e familiares, também devem se reinventar e ter em mente que esse período como tudo na medicina, embora atípico, também vai passar.

É importante estarmos preparados para as mudanças que o mundo vai oferecer e encontrar no improvável e no impossível uma alternativa para manter nossas atividades, nossa mente sã e nossa qualidade de vida. Com essa mensagem, mesmo que seja de uma forma diferente da qual estamos habituados, poderemos passar por isso da melhor maneira possível e conseguirmos manter nossa qualidade de vida.